Dalia e Eva

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+ TATÁ, GEFFINHO, THAMARA e DAISA

Quando resolvemos ficar juntas, nunca tivemos oposição da família nem de amigos. Aqui no bairro todos nos conhecem e sabem que somos gays, na escola, no trabalho, nossa vida é bem tranquila. O único preconceito que a gente sofreu, por incrível que pareça, foi quando fomos dar entrada no pedido de casamento, em 2013. Ali, sim, houve preconceito, o juiz negou nosso pedido, tivemos que entrar com recurso, um mandato de segurança. O processo levou um ano até conseguirmos autorização para casar, sendo que já estávamos juntas há 18 anos.

O preconceito que eu sofri a minha vida inteira foi o de cor. Esse chega primeiro, porque a cor aparece antes da orientação sexual.

Nossa primeira filha chegou com cinco anos. Um tempo depois, chegou a segunda, com 12. Agora estão chegando mais dois, nossos sobrinhos que ficaram órfãos de mãe, e a família que antes era só de duas pessoas, hoje está com seis.

Nós nos casamos no civil e na igreja no mesmo ato. Somos católicas, nossas filhas fizeram a primeira comunhão este ano, mas resolvemos casar numa igreja evangélica, a Igreja Cristã Contemporânea, dos pastores Marcos Gladstone e Fábio Inácio, que também são casados, têm dois meninos e são bem engajados. Fomos informadas de que o nosso foi o primeiro casamento gay no civil e no religioso ao mesmo tempo.

Os direitos das famílias homoafetivas estão caminhando muito devagar, mas estão caminhando. Hoje é possível casar, adotar em conjunto, colocar sua mulher ou marido no plano de saúde, na previdência privada, fazer uma conta corrente conjunta, um seguro de vida. É claro que a lei ainda tem muito que melhorar, mas com a bancada que a gente tem lá… Eu não chamo de bancada evangélica, chamo de bancada retardada. Com aquela bancada, não vamos avançar, e na última eleição, para meu desespero, eles aumentaram. O Legislativo está quase virando um Estado islâmico com esse pessoal de cabecinha fechada, mas como nós somos uma realidade, eles estão com problemas!

O maior medo deles não são os casamentos, são as adoções. Eles se incomodam é com as crianças dos lares gays, porque elas vão se tornar adultos que sabem respeitar o diferente, o direito de todos numa sociedade; o padrão de comportamento vai começar a mudar. Minhas filhas defendem tranquilamente as famílias gays, não só porque elas são parte de uma, como também porque conhecem outras famílias. A Thamara passou por uma situação na escola recentemente: a professora ia explicar sobre reprodução humana e teve a infelicidade de falar das famílias homoafetivas. Como ela me acompanha em palestras, conhece o assunto, falou: “Professora, realmente, duas mulheres, dois homens não podem ter filhos, mas eles merecem respeito. As minhas mães merecem respeito. Respeite a minha família e as das amigas das minhas mães. Eles não podem gerar, mas podem inseminar e podem adotar”. A turma inteira aplaudiu a garota, quer dizer, eles estão aprendendo.

Dalia Tayguara (advogada) e Eva Andrade (auxiliar de produção), juntas desde 1995.

Alex e Zal

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Tenho uma teoria de que os gêneros vão acabar. Tem que acabar, não funciona, é isso que cria atrito, não dá para ser assim. Não dá para classificar as pessoas pelo sexo ou pelo tipo de desejo sexual porque ninguém é igual ao outro, em cada um isso é diferente. Como disse Drummond, todo ser humano é um estranho ímpar. E é verdade! Dentro do universo LGBT, cada vez mais colocam uma letrinha na sigla. Se formos separar todos os tipos, vai chegar uma hora em que vamos ter a quantidade de classes correspondente à quantidade de pessoas.

Eu busco me preservar, não levanto bandeira. Poucos sabem que sou casado com ele há tanto tempo. Quando a gente encontra alguém na rua, eu o apresento como Alexander, não ponho adjetivos, acho todos muito confusos.

“Companheiro” parece coisa de partido político. “Namorado”, já passamos dessa fase; “marido” a gente ainda não é, apesar de viver uma relação marital. Eu nunca sei exatamente o que falar, então o apresento só pelo nome também: “Este é o Zal”, para bom entendedor um pingo é “i”.

Temos planos de casar legalmente, sim. Quando a gente começou, ainda não existia essa possibilidade, nem vislumbrávamos isso. Hoje em dia existe, é certo fazer, é uma garantia que temos. Se não garantimos nossos direitos legalmente, somos atropelados. A gente sabe de diversas histórias de casamentos que não eram oficiais e, quando um morreu, o outro foi completamente hostilizado pela família, pelos interesses econômicos.

Preservar nosso lar também é uma maneira da gente se resguardar. A casa é um lugar bastante sagrado. Não é qualquer pessoa que vem aqui. Não que a gente vá fechar a casa, ficar encastelado, mas buscamos preservar um pouco essa energia. A gente trabalha muito, dez, doze horas por dia, então chegar em casa é ter tranquilidade, é tomar uma taça de vinho e relaxar, curtir o sossego do lar.

Logo no começo do namoro nós fomos agredidos em Ipanema. Era uma hora da manhã, a gente estava voltando para casa e viu uma galera do outro lado da rua. Uns três ou quatro atravessaram, um deles já chegou dando uma pezada no meu ombro. O outro deu um “telefone” no ouvido dele. Nós gritamos e um segurança e um porteiro vieram ajudar, acharam que era assalto ou coisa assim. Aí eles foram embora. Foi punk! Felizmente, essa foi a única vez.

Logo depois eu me mudei de Ipanema porque as coisas estavam bem esquisitas. Existe uma fronteira ali, não é uma região tão friendly quanto pensam.

Fora esse episódio infeliz, socialmente, nós somos muito bem aceitos em todos os lugares, mas acho que isso também tem a ver com o fato de sermos bem-sucedidos. Se você não é bem-sucedido profissionalmente, financeiramente, sofre mais constrangimento, sofre mais preconceito. Isso é um fato, mas não devia ser assim. Falta saúde, educação… Mas falta respeito pela cidadania. São direitos de todo mundo, todos têm direito à liberdade, à igualdade – artigo 5º da Constituição.

Alexander Sirotheau (arquiteto) e Zalboeno Lins (jornalista), juntos desde 2003.

Beto e Cláudio

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Nunca houve, da nossa parte, essa visão de que somos um casal homoafetivo. É tão normal gostar, amar, é tão natural que não cabe tachar. Não é um “amor homoafetivo”, é “amor”. Não desmerecendo a importância de se falar sobre este assunto, a gente acha que vivendo e demonstrando nosso relacionamento, automaticamente estamos contribuindo para que a coisa seja encarada de forma natural.

Nossas famílias também assimilaram isso muito bem. A princípio era só com respeito, “O mundo é deles, vamos respeitar”. Hoje já são mais participativos, já estão entrando no nosso mundo.

A rede social é, sem dúvida, um grande facilitador. Ali a gente se apresenta sempre juntos, na maioria das coisas que a gente faz, em eventos, e o pessoal comenta “Ah, adoro o casal”, “Amo esse casal”. Quer dizer, já está oficializado ali também. Eu até fico admirado quando estou em algum evento e tantas pessoas diferentes vêm falar com a gente, pessoas que nos enxergam e nos aceitam como casal, mesmo. E isso acontece de uma forma normal, tranquila, sem que a gente tenha que chegar e falar “somos isso”, “somos aquilo”.

Sou muito grato por vivermos nesta época. Tenho mais de 50 anos, e quando era adolescente, eu via como os gays adultos viviam, era mais sofrido, muito pouco à vontade, porque naquela época as pessoas eram muito mais intolerantes. Hoje, a coisa está sempre em discussão. Há muito que trilhar ainda, muito a conquistar, mas só o fato de estar aí em ebulição já é formidável. “Ah, eu não aceito!”. Ótimo, agora pelo menos a gente sabe quem são os que não aceitam, quem são os intolerantes e os que toleram, está todo mundo se expondo, mostrando o que pensa. Isso é muito positivo, sabemos dos prós e dos contras. Hoje, o homossexual está conseguindo conquistar mais o seu espaço. Acho essa época muito boa, e a tendência é melhorar.

Eu tenho dois irmãos mais velhos que também são gays. Quando eu e o Beto resolvemos morar juntos, eles já tinham seus namorados, mas era uma coisa muito velada, que eles segredavam. Depois que o meu relacionamento começou a fluir mais abertamente, houve um encorajamento recíproco, a gente começou a ter mais interação, a família toda passou a ter mais convivência. Todos ficaram mais leves… Acho que quando as pessoas se assumem, tudo fica mais fácil.

É o que falei, somos tão bem resolvidos socialmente que as pessoas percebem e pensam “Nossa, por que não ser assim? Por que eu sou o contrário?” Vamos continuar vivendo bem na nossa relação e vamos ver o que vai rolar, o que vai dar. Quem se inspirar, achar incrível, ótimo! Até um casal heterossexual, mesmo. Temos um amigo hetero que fala “Eu já casei cinco vezes e vocês continuam casados. Qual é o segredo?”. A gente acha graça, mas a verdade é que não tem segredo nenhum.

Beto Silva (comerciário) e Cláudio Cadeco Pinto (professor), juntos desde 1994.

Moisés e Hugo

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Aos 19 anos eu tive meu primeiro contato com um homem, um cara mais velho, na época ele devia ter mais ou menos uns 35 anos. Tive sorte de ter tido esse encontro, me despertou, comecei a entender o que eu era. Foi uma pessoa muito positiva, muito do bem, já bem resolvido; ele conversou muito comigo e me passou um pouco a sua experiência: “Você vai passar por várias etapas, os seus medos, os medos da sua família, o medo dos amigos e o preconceito”. Medo do que é, do que você é, e medo de ser rejeitado… Uma coisa é você aprender a viver só por um tempo, estar só e não depender de viver ao lado de ninguém. Outra coisa é ser rejeitado, é você não ter nada.

Tenho histórias de amigos que foram vitimados, perdi amigos no Recife assassinados pelo fato de serem gays. Tive um namorado que os próprios pais tentaram matar na calada da noite porque descobriram que ele era gay, um jovem de 16 anos! Essas histórias de violência, a gente escuta e vivencia muitas. Acho que dei sorte, pois só encontrei pessoas do bem na minha vida, que mostraram que estamos aqui para viver igualmente, no mesmo espaço, sem manchas, sem diferenças, isso é que é o importante, e eu consegui viver assim até agora.

Já eu comecei a viver minha homossexualidade depois que cheguei ao Rio. Eu experimentei um pouco aquela sensação do anonimato, aquela cidade tão grande, com tantas pessoas tão diferentes entre si, eu me senti “mais um”. Era bom, queria fazer coisas que nunca tinha feito – não que antes eu sentisse necessidade de fazer, até porque as minhas relações com namoradas em Macaé sempre foram muito verdadeiras, mas quando vim para o Rio descobri um novo mundo. Foi quando tive a oportunidade de vivenciar ambientes como boates, festas, bares, tudo voltado para o público LGBT. E aquilo me despertou tanto calor, interesse, motivação…

Na primeira vez que fui a uma boate gay, estava tão desesperado para saber como seria, o que ia encontrar, que na tarde do dia anterior vi todos os possíveis itinerários de ônibus e fui lá, depois fiz o trajeto inverso para casa. Eu tinha tudo na cabeça e anotado num papel, e quando chegou a noite, em frente à boate, já vi homens se beijando, o coração disparou. Eu tinha medo de estar ali, mas esse medo, em contrapartida, era excitante. Não virei rato de boate nem nada, mas acho que foi o primeiro momento que me permitiu realmente ir mais fundo naquilo que eu gostaria de experimentar. Descobri que, na verdade, esse desejo já vinha aflorando aos poucos, sem que eu tivesse percebido antes.

Quando eu realmente vi que era gay, não tive mais nada com mulher, as meninas não me despertavam mais interesse, eu só tinha prazer com outro homem. Mas sempre fui muito autossuficiente, calado, reservado. Meus namoros não duravam muito tempo. Depois que eu encontrei o Hugo, um mundo se abriu à minha frente, um mundo de entrega, amor e confiança.

Moisés Pires (dentista) e Hugo Pinheiro (servidor público), juntos desde 2004.

Letícia e Ana

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+ ANDRÉ HENRIQUE E ANNA LAURA

Eu me dei conta de que era gay aos 21 anos. Fiz 50 agora. Nunca militei. O máximo que fiz foi brigar por direitos iguais no trabalho. Trabalhei muitos anos numa companhia aérea. Nessa época eu era casada com uma mulher que começou a trabalhar lá também. A empresa permitia que funcionários casados tivessem direito às mesmas escalas, mas não os casais homossexuais. No início, até conseguíamos conversar com o setor de escalas para nos dar escalas casadas na base da camaradagem. Depois, devido ao meu envolvimento na liderança de um grupo de funcionários em reivindicações, a chefia mandou separar nossas escalas. Fizeram, de propósito, uma escala totalmente oposta. Ficamos 60 dias sem nos ver; quando eu estava num lado do planeta, ela era mandada para o outro. O desfecho da história foi que eu entrei na luta junto com um grupo e criamos um problema tão grande na empresa que acabamos conseguindo mudar o regulamento e obter o mesmo direito.

Agora, com o famigerado Estatuto da Família, entrei na militância para valer: faço parte do grupo fundador da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (ABRAFH). Se há quem pense que todo esse projeto de poder só vai mexer com o pessoal LGBTI, saiba que não. Isso é um projeto que pode mais tarde virar uma coisa parecida com a Alemanha da década de 30, e quando nos dermos conta, não haverá mais o que fazer. Olha o que o fundamentalismo está fazendo! Isso é ruim em qualquer religião. Religião é amor, não é discurso de ódio. Religião é dentro do templo, do terreiro, da igreja, é uma escolha. Orientação sexual não é escolha. Pecado é uma coisa da religião, lei é uma coisa do Estado, da constituição, e é para todos.

As pessoas reclamam muito. Nas redes sociais, por exemplo, elas gostam de falar “Isso está errado!”, “Isso tem que ser feito!”. Mas só é feito se alguém fizer. E, para alguém fazer, as pessoas têm que trabalhar juntas para ter uma força coletiva. Em geral as pessoas têm medo. Quando há alguém ali na frente botando a cara a tapa, muitos só sabem criticar. Certa vez, em um seminário, eu disse: “Gente, não se escondam! Se vocês têm esse direito, por que fazem isso?”. Aí alguém na plateia falou: “Ah, para você é fácil, pois você é branca, teve acesso à educação e tem uma família de loiros”. Então, a Viviane Mosé, filósofa, que nem é gay, pediu o microfone e deixou um recado claro: “Vocês estão discutindo quem é mais ou menos privilegiado? Somos todos desprivilegiados aqui. O pessoal lá fora que está nos criticando está muito bem organizado! Vocês vão querer criar racha aqui dentro?” O tema do seminário era “Mais amor, por favor”, e as pessoas queriam discutir quem é cis, quem é trans, quem é pobre…

Nós queremos parar de dividir quem é hetero, quem é homo, quem é branco, quem é preto… Não que a gente não reconheça a pluralidade (viva a diferença!); somos todos diferentes, olha que bacana! E é por isso que ninguém é melhor que ninguém.

Letícia Flohr (engenheira ambiental) e Ana Lodi (empresária), juntas desde 2014.

Ellen e Karin

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+ JOÃO E VICENTE

Com a gente aconteceu de forma tão natural que, na escola, quando perguntavam, meu irmão dizia “Ah, minha mãe? Ela namora a Kaká!”, daí eu o apertava e ele logo falava “O que é, João? É isso mesmo!”. Eu ficava com raiva, meio tenso, mas nunca sofri zoação de amigos, todo mundo encarou numa boa. Hoje em dia, quando me perguntam, eu falo que tenho duas mães. E as pessoas acham que a minha família vai ser uma coisa diferente e eu digo que não, que é a mesma coisa. A gente almoça, toma café, conversa, briga, faz tudo. É um preconceito da sociedade pensar que, porque alguém tem duas mães, então a família dele é diferente. Não tem diferença nenhuma. Deveria ser algo mais natural, porque para nós é totalmente natural.

Quando me separei do pai deles, fui à escola falar direto com as coordenadoras, elas acompanharam a separação. Foram pessoas incríveis que nos ajudaram muito. Quando eu fui lá, seis, sete anos depois, para dizer que estava casada, elas vibraram: “Quem é ele?”. Aí eu falei: “É exatamente isso, vim conversar com vocês porque não é ele, é ela, é a minha mulher, a Karin; mas pode ficar tranquila, não estou traumatizada, vou trazer ela aqui, ela é minha mulher, e não quero nenhum tratamento diferente com os meninos”.

Uma coisa que as pessoas costumam falar da gente é que somos uma “família exemplo”. Nós rimos, mas isso é muito em função da nossa postura; sem hipervalorizar o fato de sermos uma família “não padrão”, mas também sem tirar o valor disso. Temos a mesma estrutura familiar, no sentido da divisão de tarefas na casa, do espaço de colocação nos diálogos. Há espaço para cada um ser o que é. Temos nossos problemas, claro, como todas as outras famílias. Mas acho que faz diferença na hora que você se coloca: essa aqui é a Ellen, minha esposa, esses aqui são João e Vicente, filhos da Ellen, meus enteados – eu nem gosto dessa palavra, mas sei que esse é um lugar diferente, porque não é o lugar da mãe, nem do pai. É um terceiro lugar, que tem outra ação, de reforço. Essas funções são bem entendidas entre nós.

Há pouco tempo nós fomos ao aniversário de uma amiga que é gay e, na festa, havia várias mulheres. Era um jantarzinho íntimo, umas dez pessoas. Uma delas é casada com uma mulher há nove anos, a mulher dela também foi casada com homem, mas os filhos – uma menina de 14 anos e um menino de 11 – não sabem que elas são casadas. Moram na mesma casa, nesse mesmo esquema, vão para a casa do pai, voltam… Bem, elas pensam que não, mas com certeza eles sabem. Elas só não falam a respeito. Eu perguntei “Como assim, vocês não falam?” Ela respondeu: “Eu não sei. É complicado”. Eu cheguei a dizer “Sai daqui hoje e conversa com sua mulher. Porque daqui a pouco eles vão saber, e vão ficar revoltadíssimos.” Eu converso sobre isso com meus filhos com o maior orgulho, eles têm a maior sorte de ter duas mães.

Ellen Miranda (coordenadora de loja) e Karin Palhano (designer), juntas desde 2005.

Roberta e Juliana

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+ OLÍVIA E HELENA

Eu tive muito problema para me assumir gay, demorei bastante. Eu era muito preconceituosa. Achava que estava errada, no ambiente errado, mas não sabia o que era. Eu tentava me relacionar com homens, mas nunca estava feliz. Achava que o problema era das pessoas, das relações, que eu não conseguia me expressar direito. Aí, quando consegui me aceitar como homossexual, já com mais de 20 anos, as coisas começaram a fluir e eu entendi tudo.

Na família havia casos de pessoas mais velhas que eram gays e eu cresci ouvindo “Ah, coitado, ele deve sofrer muito”. Havia essa ideia de que o gay sofria muito por causa do preconceito, por ter que viver escondido etc. Hoje eu digo: sim, sofre muito quem não sai do armário porque, depois que a gente consegue viver isso com tranquilidade, acaba o sofrimento.

Sei que o bloqueio era meu, mesmo, pois meus pais nunca tiveram problema com isso e me acolheram superbem. O que ajudou foi eu ter me mudado de cidade, de estado, eu me tolhia muito enquanto estava no meu ambiente de origem. Quando saí daqui para estudar num lugar onde não conhecia ninguém, vivi aquela sensação de poder me transformar em quem eu quisesse ser. Depois de cinco anos, voltei para Niterói e comecei a fazer amizades com pessoas como eu. Inclusive minha mãe teve um papel primordial nessa história: foi ela que me apresentou à filha de uma amiga dela, que eu comecei a namorar e que, por sua vez, me apresentou a um monte de gente com quem fiz amizade e, assim, acabei conseguindo me inserir socialmente.

Já no meu caso, eu sempre soube que era gay. Vivi minha adolescência em Niterói sem nenhum senso de pertencimento a nenhum grupo. Foi tenebroso, eu vivia muito sozinha o tempo todo. Comecei a me envolver com música, teatro, gostava de ler e queria ampliar minha visão de mundo. Quando eu tinha 17, 18 anos, estava fazendo pré-vestibular e me mudei para o Rio com a minha irmã. Foi no curso de teatro que comecei a viver minha vida gay. Uma menina me falou assim: “Cara, eu fico com quem eu quero, eu não sou gay, não sou hetero, fico com quem estou a fim. Vambora, faz o que você quiser!”. Foi um ano intenso e de muita libertação.

Acho que nós nascemos para ser uma família. Depois que nos conhecemos, no início de 2013, a vida começou a fluir melhor. Tudo aconteceu muito rápido e sem nenhum tipo de complicação: nos estudos, no trabalho, na mudança de casa, no processo de ter filhos. As meninas, Olívia e Helena, nasceram exatamente um ano depois da nossa primeira consulta para fazer o tratamento de fertilização. Às vezes eu vejo alguns casais comentando sobre a mudança de vida depois que têm filhos, do tipo “ah, mas eu não posso mais fazer isso, não posso mais fazer aquilo…”. Eu não tenho saudade nenhuma de não poder fazer nada. A gente sabe que vai ter que se privar de um monte de coisas, mas a gente quis muito viver isso, foi o que planejamos para nossa vida.

Roberta Santiago (jornalista) e Juliana Guimarães (zootecnista), juntas desde 2013.

Weykman e Rogério

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+ ANNA CLÁUDIA, JULIANA, LUIZ FERNANDO E MARIA VITÓRIA

Sempre que conversávamos sobre nossos futuros filhos, não tínhamos qualquer dúvida: o caminho seria a adoção. Nós combinamos de atender às duas vontades: ele queria um menino, eu queria uma menina. Só que, quando começamos a participar dos grupos de adoção, percebemos o quanto essa questão do perfil é complicada. Em determinado momento do processo de habilitação, deve-se optar: quantas crianças, qual etnia, se aceita com doenças transmissíveis, com que idade etc. Nosso perfil era mais racional, a princípio eram duas crianças de até sete anos, mas depois começamos a questionar “Duas? Por que não três? Sete anos? Por que não oito ou nove? Que diferença faz?” E aí surgiu o momento de conhecê-los. Eram quatro crianças num abrigo em Marechal Hermes, estavam lá há seis meses. Nosso processo foi um pouco mais fácil por causa disso: são quatro irmãos com idades diferentes. Essas adoções são mais difíceis de acontecer.

Hoje o Cadastro Nacional de Adoção possui quase 30 mil pessoas aptas a adotar em todo o Brasil. Elas já passaram pelo processo de habilitação, é como uma carteirinha que diz “eu posso adotar”. E há seis mil crianças em abrigos aptas à adoção, ou seja, todo o processo de desvinculação, seja pela morte dos pais, seja pela perda do pátrio poder, já foi concluído. Seis mil crianças habilitadas, mais 40 mil em abrigos, em processo de habilitação. Só que os perfis não batem, porque mais ou menos 70% das pessoas aptas a adotar querem uma criança de até três anos, branca e preferencialmente do sexo feminino. E não é essa a realidade do nosso país. Nos abrigos, a maior parte das crianças é negra ou parda, um pouco mais velha, muitas vezes meninos e com algum tipo de doença (principalmente HIV) ou alguma deficiência física.

É notória a mudança do paradigma do perfil na adoção homoafetiva. Ainda não temos estatísticas formalizadas sobre o perfil das crianças adotadas por casais gays brasileiros, mas sabemos que é sempre um pouco mais amplo: são crianças mais velhas, negras, com algum problema de saúde… Talvez porque muitos de nós já passaram por sofrimentos assim, aprendemos a lidar com o preconceito na própria pele, então é muito mais fácil olharmos para uma criança “diferente” e enxergá-la normalmente. Há uma identificação muito maior com essa criança do que, talvez, se fosse um casal heterossexual, que não veria nela seu retrato. Isso acontece muito.

Em certas comarcas, um casal gay encontra inúmeras dificuldades para adotar, mesmo com toda a jurisprudência já bem clara quanto a isso. Não queremos nada além do que já está estabelecido como direito para a sociedade como um todo, só queremos os mesmos direitos. É fundamental mostrar para a sociedade que nossa família é comum, nossos filhos são comuns. O comum é muito mais lindo quando desaparece. O amor é comum, o afeto é comum. Essa é a maior prova que podemos contrapor a todo e qualquer preconceito.

Weykman Padinho (contador) e Rogério Koscheck (auditor fiscal), juntos desde 2007.

Bianca e Renata

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+ VALENTINA

Sobre o plano de ter filhos a gente fala desde que se conhece. Com um ano de namoro, já perguntávamos “como vai ser?”. A gente sonhava, mas não tinha ideia de como realizar esse sonho, como seria o tratamento, com qual médico… O primeiro pensamento que costuma vir é “pega um amigo gay”, mas não é tão simples assim. A ideia foi amadurecendo aos poucos, a gente começou a entender melhor, foi se informando. A perspectiva também aumentou, tanto financeira como de metas de vida. Quando a gente viu, já tinha todos os elementos de que precisava. Foi quando decidimos.

Eu era muito fechada, muito reservada em relação à nossa vida. A Valentina fez uma explosão dentro de mim. Quando a Bianca engravidou, tomei algumas providências rapidamente: chamei certas pessoas e disse “Preciso conversar com você. Tem algo muito bacana que acabou de acontecer, eu estou muito feliz e como você é uma pessoa importante para mim, eu preciso dividir isso”. E saí falando assim com várias pessoas. Precisei falar com chefe, amigos, gente que nunca soube nada da minha intimidade. Ou talvez até soubesse, mas respeitava por eu nunca abordar o assunto. Hoje elas comentam minha transformação e eu me sinto muito mais leve, muito mais feliz. Essa sou eu, antes eu era metade.

A chegada da Valentina exigiu essa transformação. Ela me permitiu compartilhar algo que antes eu não me permitia. Antes eu achava, talvez por preconceito, por medo da não aceitação, que estaria agredindo as pessoas, confrontando suas ideias, por isso preferia fazer segredo. Ela me deu coragem. Aquele receio, aquele medo, simplesmente se diluíram e constatei que eu mesma havia construído uma barreira. Ficou comprovado que era algo muito mais construído por mim do que de fora para dentro, pois a aceitação das pessoas foi unânime.

Com isso, nossa vida mudou inteiramente. É como se a gente tivesse saído do armário. Não que antes não fôssemos assumidas, mas não fazíamos a menor questão de mostrar para ninguém. Depois da Valentina, começamos a participar de grupos, de programas, a dar entrevistas. A gente quer e precisa mostrar que sim, aqui existe uma família, que isso é possível, que as pessoas podem ir atrás dos seus sonhos.

A Valentina está na creche desde os cinco meses. Assim que a gente entrou, a Bianca foi convidada para fazer parte de um grupo de mães no WhatsApp. Quando ela foi adicionada, disse “Gente, está aqui o número da outra mãe da Valentina, a Renata”. Um tempo depois, uma das mães falou “Ah, eu nunca comentei nada, mas queria dizer que minha filha também tem duas mães, eu e fulana”. A menina era mais velha que a Valentina, já estava na creche há muito tempo. Olha que coisa bacana! E necessária: toda criança precisa dessa autoestima, desse reconhecimento. Isso me tocou demais, justamente porque nós vivemos essa ruptura e estamos incentivando outras pessoas. Nós abrimos uma porta.

Bianca Repsold (publicitária) e Renata Ribeiro (jornalista), juntas desde 2001.

Robson e Steve

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A gente sempre quis casar, mas vinha adiando, adiando, até que o Robson enfartou. Nós morávamos no Piauí. Aí pensei “Se ele está na UTI, esse casamento vai ter que ser agora, porque na hora que ele entrar para a cirurgia, quem garante que ele vá sair?” Então fomos eu, dois grandes amigos nossos, ambos heterossexuais, a um cartório de Teresina. Eu disse que queria uma união homoafetiva, mas tive que explicar várias vezes porque uma das donas não conseguia entender… Falou que nunca haviam feito aquilo antes. Enfim, acabamos casando na UTI mesmo, que é um lugar onde só entra uma pessoa por vez, mas exigi que o amor subvertesse a regra: “Vai entrar todo mundo!”. Daí veio o padrinho, uma amiga, a tabeliã, vieram as testemunhas, as flores… O hospital inteiro sabia, foi uma festa! As fotos são muito engraçadas, a única pessoa que não está de máscara é o Robson.

Eu me assumi com 15 anos para uma família extremamente conservadora, foi bem complicado. Eles sempre tiveram dificuldades com isso. Saí de casa com 18 anos. Num determinado momento a coisa aqui no Brasil ficou muito feia e, em 1972, me exilei, até por causa de um episódio em que fui preso e espancado. Sim, foi por causa da minha orientação sexual: estava beijando meu namorado em público. Sempre me lembro de um mote muito caro às feministas dos anos 70: “O político é pessoal, o pessoal é político”.

Quando minha irmã se deu conta de que nosso namoro era sério, disse que era inaceitável e passamos dez anos sem nos falar. Mas, tantas voltas o mundo dá, hoje somos novamente grandes amigos, como fomos durante a infância. Ela teve uma filha cega e aprendeu na pele o que é preconceito; houve um pedido de desculpas muito emocionante. Enquanto isso, eu tive a família do Robson, que sempre me acolheu, me aceitou, sempre foi muito carinhosa comigo – tudo o que a minha família não me deu.

Muita gente traz resquícios de ódio contra si mesmo, de um autodesprezo por não corresponder a certas expectativas sociais, familiares, e se sente miserável por isso. Sente-se infeliz e pensa coisas do tipo “Será que eu seria mais feliz se gostasse de mulher? Se tivesse uma renca de filhos?”. Isso é uma falácia, uma besteira, mas estamos formatados nesse modelo de identidade. Você é educado para ser uma coisa num momento em que está descobrindo que é outra. Não é fácil aceitar aquilo que realmente somos. Criamos uma autodecepção em relação a isso que a gente tem que superar, tem que lutar e seguir em frente. Se aceitar, mesmo, porque a autoaceitação é fundamental para a própria aceitação social.

Uma coisa importante também é aquela máxima Oswaldiana, “A alegria é a prova dos nove”. Eu cheguei num ponto em que prefiro rir a gozar. Quando eu digo rir, é aquela gargalhada que dói o estômago, que você cai no chão, que rolam lágrimas… A gente ainda consegue fazer isso pelo menos uma vez por dia. Rimos muito de nós mesmos, dos outros, do mundo. Amor é humor.

Robson Cruz (antropólogo e psicanalista) e Steve Berg (tradutor e cineasta), juntos desde 2002.