Encontro com Fátima Bernardes

Simone Rodrigues participa de entrevista ao vivo no programa Encontro com Fátima Bernardes para falar sobre o Nomes do Amor! A fotógrafa estará acompanhada pelo casal Weykman e Rogério, pais de quatro filhos, juntos desde 2007.

Não perca! O programa vai ao ar na próxima segunda-feira, dia 11/04, às 10:50h na Globo. Saiba mais em http://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/

Evento de lançamento no Rio de Janeiro

No dia 9 de abril, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, os primeiros frutos do projeto Nomes do Amor – O amor que ousa dizer seu nome finalmente vieram ao público: um catálogo de 72 páginas (veja aqui), este site e o vídeo de “making-of” (aqui). Com distribuição gratuita do livro, o evento de lançamento incluiu bate-papo com a autora Simone Rodrigues, o deputado Jean Wyllys e Rogério Koschek, presidente da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (ABRAFH). Confira as fotos!

 

Nomes do Amor no Facebook!

Temos a honra de comunicar o lançamento da nossa página no Facebook! Além das novidades sobre o projeto (que pretende realizar, em 2019, uma exposição comemorativa e, até lá, passar por outras cidades do Brasil), nosso objetivo é divulgar curiosidades sobre o Nomes do Amor, o que aconteceu e o que está acontecendo. Posts informativos sobre assuntos de interesse geral do público LGBT também fazem parte!

Acesse www.facebook.com/nomesdoamor.lgbt/ e vem curtir com a gente!

I Congresso Internacional da ABRAFH

A Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (ABRAFH) é a maior referência entre as instituições que lutam pelos direitos e prestam apoio a famílias LGBT no Brasil. Em parceria com a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Ordem dos Advogados do Brasil – seção Rio de Janeiro (OAB-RJ) e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a ABRAFH promoverá, entre os dias 28/06 e 01/07, seu primeiro congresso internacional, com palestras sobre temas significativos para as famílias homoafetivas em diversas áreas: Social, Direito, Medicina, Psicologia, Educação, Cultura, Religião e Política. O congresso propõe reunir a comunidade LGBTI, simpatizantes e estudiosos. Saiba mais sobre o evento em: https://www.facebook.com/events/966485283441901/

abrafh congresso

 

Os armários são vários

Na maior parte das sociedades democráticas ocidentais já predomina a consciência que aceita com mais naturalidade a diversidade da orientação sexual e de gênero. Graças ao crescente reconhecimento da legitimidade da união homoafetiva, tendemos a considerar como arcaica e superada a discriminação da relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo – o “amor que não ousa dizer seu nome”, para usar a frase que Oscar Wilde imortalizou em seu discurso diante do tribunal que o condenou por seus “atos imorais”. Nesses mesmos países, inclusive no Brasil, os movimentos de defesa dos direitos humanos – uma luta histórica contra a injustiça e a desigualdade social – vêm acolhendo, nas últimas décadas, diversos grupos minoritários, entre eles o grupo LGBT. A liberdade de expressão da orientação e da identidade sexuais parecem ser hoje um direito conquistado.

No Brasil, porém, a imagem que se faz dos gays ainda é caricatural e distorcida. Quase sempre está associada à exploração da sensualidade, ao erotismo exacerbado, à reificação da sexualidade – seja para usá-la comercialmente, seja para condená-la como imoralidade pecaminosa. É como se o gay ainda fosse aquela figura à margem da sociedade, aquele personagem meio delinquente, promíscuo, construído pelas práticas históricas da repressão. Acredito que isso seja um tipo de efeito de inércia, herança do tempo em que era considerado crime (ou algum tipo de doença) ser gay.

Com todas as conquistas recentes que desenham uma clara tendência comportamental progressista, é importante reconhecer o imenso trabalho de esclarecimento e combate aos preconceitos que ainda resta fazer. Em muitos contextos sociais conservadores – estejam ou não fundados em dogmas religiosos – ainda se alimenta a crença de que a homoafetividade é um fenômeno antinatural, uma anomalia, uma ameaça aos valores da família… Então, foi a necessidade de questionar essas concepções que me impulsionou inicialmente.

O Brasil teve papel precursor na política de reconhecimento da liberdade de orientação sexual: por meio do Conselho Federal de Psicologia, deixou de considerar a orientação sexual como doença em 1985, antes mesmo da Organização Mundial de Saúde excluir a homossexualidade da lista de doenças mentais. Atualmente, a violência implicada nas práticas pseudopsicológicas da chamada “cura gay” pode descredenciar um profissional de saúde. Entretanto, livrar-se de um estigma tão enraizado na história da nossa cultura demora tempo, e exige transformações de vícios de postura e hábitos mentais que podem levar décadas.

Sabemos que as imagens apresentam realidades, ao mesmo tempo em que criam experiências. As imagens não se esgotam no plano figurativo, mas são plenas de força simbólica, emocional, e povoam a imaginação das pessoas, que através delas ampliam seus repertórios de conhecimento e os horizontes de suas visões de mundo. Sabemos que essas visões podem ser curtas ou amplas, excludentes ou inclusivas, e que têm o poder de promover o ódio ou o amor, o medo ou a paz. E em geral a escolha é nossa.

“O pessoal é político”
Em meu trabalho como educadora, costumo orientar meus alunos nos estudos da história da arte e da fotografia em busca de referências para o desenvolvimento dos seus projetos pessoais. Isso significa pesquisar artistas e autores que tenham trabalhado com as mesmas questões em outros lugares e épocas. O objetivo dessa prática é procurar conhecer outros artistas e obras, buscando cultivar o diálogo e, principalmente, reconhecer-se no campo das questões conceituais e estéticas, sabendo identificar sua linhagem e linguagem próprias. Esse método de trabalho, que valoriza a experimentação pessoal enquanto busca ancorá-la na história, tornou-se um hábito para mim. E foi exatamente esse hábito da pesquisa que me despertou a atenção para a carência de imagens a respeito da vida familiar das pessoas LGBT. Essa ideia me visitou pela primeira vez em 2013 e, a partir daí, comecei a me interessar cada vez mais pelo tema.

Para mim, era uma experiência tão comum de se ver na vida – pessoas que amam alguém do mesmo sexo, namoram, casam, vivem juntas, às vezes têm filhos, às vezes se separam, como qualquer casal dito “normal”; estranhamente, não era comum ouvir falar a respeito dessas pessoas, e menos ainda que esses casais se deixassem ver. Na breve pesquisa que fiz naquele momento inicial, descobri que havia mais textos acadêmicos sobre o assunto do que imagens que dessem conta de mostrar quem são e como vivem as famílias homoafetivas. Até encontrei alguns trabalhos interessantes de fotógrafos estrangeiros, como o da sul-africana Zanele Muholi, que se autointitula “ativista visual”, e os dos americanos Kevin Truong (The Gay Men Project) e Alix Smith (States of Union) – mas nada semelhante havia sido feito no Brasil até então.

Foi quando comecei a idealizar o projeto, sem imaginar aonde ele iria me levar. Afinal, não foi a militância política da defesa dos direitos das minorias LGBT que me fez recorrer à fotografia para abordá-la. Na verdade, ocorreu o inverso: foi uma questão eminentemente visual que me conduziu à esfera política. A ideia de fazer Nomes do Amor nasceu desse incômodo, da percepção dessa discrepância entre a realidade da vida dos homossexuais e a imagem que a sociedade faz dela. Eu queria denunciar os estereótipos e clichês que circulam na mídia e que só fazem alimentar a ignorância e o preconceito. Para mim, era importante buscar as referências visuais de uma experiência que eu conhecia na prática e que, percebia nitidamente, estava muito mal representada no imaginário coletivo.

Talvez antes mesmo de se tornar uma questão consciente, essa era uma necessidade muito subjetiva, uma necessidade de espelhos, de imagens de reconhecimento e pertencimento. Uma necessidade afetiva por imagens. E esse desejo de mostrar como a gente é, sem disfarces, sem artifícios, foi se tornando essencial com o surgimento do Estatuto da Família na Câmara dos Deputados, que nos priva do direito de constituir família como se fôssemos sub-humanos, cidadãos de segunda classe.

O processo
O processo de entrar em contato com os participantes de Nomes do Amor foi totalmente construído a partir do boca a boca. Nessa primeira fase, não houve convocação pública nem uso de Facebook ou qualquer outra rede social. Consegui espontaneamente mobilizar uma rede de contatos que incluiu amigos, colegas de trabalho e alunos, e assim foi, sucessivamente, chegando aos amigos dos amigos – a nossa rede de afetos…

Para começar a construir uma galeria de retratos dos sujeitos que compõem a grande variedade dos novos tipos de casais e famílias, propus fazer uma releitura do retrato tradicional de família, tendo como tema a diversidade dos tipos de casais homoafetivos. Busquei outro tipo de representação, mais próxima da vida das pessoas comuns enquanto casais que se assumem gays publicamente.

Na elaboração das fotos, fiz uma opção estética muito clara: nada de fingir que se tratava de um retrato espontâneo. Afinal, nós estávamos assumindo uma posição, decidindo corajosamente mostrar a cara, dizendo “presente”. Para mim, isso implicava demonstrar consciência da importância de tal fato, de se dispor a estar ali. Implicava também certa sobriedade da pose, o olhar dentro da lente, uma comunicação direta com o público. Essa estética da pose, que vai contra a do instantâneo, remete à fotografia clássica de família (que é, certamente, um dos primeiros produtos culturais gerados pela fotografia em seu processo de democratização do retrato, no século XIX – historicamente associado à construção da identidade burguesa e da memória familiar naquela sociedade patriarcal).

A fotografia dentro de um padrão de qualidade mais tradicional também me pareceu um requisito indispensável. Por isso escolhi usar a Hasselblad, câmera de médio formato, de incrível definição de detalhes. Além da câmera, outro ponto fundamental foi a iluminação bem cuidada, em geral mesclando o flash com a luz ambiente da maneira mais natural possível. Essa proposta de adotar uma estética fotográfica mais clássica se define principalmente pelo cuidado com a iluminação, pelo estudo da pose e pela qualidade da foto, obtida por equipamento analógico para obtenção de melhor definição de imagem na impressão final.

O estilo da pose, porém, distancia-se tanto da pose rígida das fotos antigas quanto da pretensa casualidade dos registros do cotidiano. Trata-se de um estilo simples, sem artifícios de produção, que revela indícios da vida privada do casal, evitando parecer invasivo, voyeurístico ou exibicionista. Em franco contraste com o retrato da família patriarcal, a estética clássica é usada aqui para abordar um tema eminentemente contemporâneo: a união homoafetiva em contexto de crescente naturalização. Este é um ponto muito importante, na medida em que propõe uma estética que é também um tipo de ética e uma forma de atitude política.

Com este trabalho, procuro questionar e fazer pensar os padrões vigentes mais comuns de representação de gays e lésbicas. Através da fotografia de casais reais, o projeto se diferencia das imagens vulgares e dos clichês normalmente associados ao homoerotismo. Retratando-os na simplicidade de sua convivência em ambiente doméstico, pretendi denunciar o artificialismo fantasioso das imagens predominantes na mídia.

Tão eloquentes quanto as imagens são as falas de cada casal. Os depoimentos são resultados de conversas informais na própria sessão de fotos, em torno das experiências de se assumir gay (para si mesmo, para a família, para a sociedade), de assumir o compromisso de uma união, de formalizá-la oficialmente, de eventualmente fazer planos de ter filhos (caminhos possíveis entre a adoção e a reprodução assistida). Neles, optei por fazer uma síntese das falas, sem me preocupar em atribuí-las a um ou outro cônjuge – até porque, na maioria das vezes, o discurso era de fato construído conjuntamente, como numa conversa dinâmica, em que as ideias fluem e são compartilhadas.

Aprendi muito com cada uma das pessoas que fotografei e entrevistei. Hoje tenho ideias mais claras a respeito de tudo que implica não conseguir se enquadrar no padrão heteronormativo imposto (ou esperado de nós) pela sociedade.

Mas aprendi igualmente com os “nãos” que recebi. Foram muitos, cerca de 70% dos convites foram negados. A estes que se recusavam, eu sempre perguntava, delicadamente, o porquê de não se disporem a participar. Para qualquer pesquisa, é importante registrar as explicações. Nem todos quiseram dizer a razão, mas entre os que responderam, as respostas mais comuns foram certa timidez em se deixar fotografar e o reconhecimento do medo de represálias (pelo chefe, no caso dos funcionários; pelos clientes, no caso dos profissionais liberais, e mesmo represálias pelos alunos, no caso dos professores). Em resumo: o medo de se assumir gay plenamente em público e sofrer preconceito ou prejuízo social por isso.

Descobri que, diferentemente do que a expressão “sair do armário” dá a entender, esse movimento de saída não é único, mas múltiplo: os armários são vários. Entre a autoaceitação, ou assumir-se para si mesmo, e assumir-se perante a família, os amigos, no trabalho, em público, etc., há vários níveis ou camadas que nos colocam, cada uma ao seu modo, desafios sucessivos.

A maior parte dos gays acaba se acostumando a se esconder, a esconder seus afetos, seus amores, por medo da discriminação e da violência que com frequência vitimam pessoas que expressam amor e carinho em público. Acredito que a luta pelos direitos das minorias seja uma só, e isso não deixa de reconhecer todas as diferenças e complexidades entre os diversos grupos sociais e étnicos. Apenas propõe que reconheçamos tudo o que temos em comum, no direito de existir, na liberdade de ser quem somos e no dever de respeitar o outro em sua diferença. Sejamos negros, brancos, pardos, índios, heterossexuais, gays ou trans – extrairemos nossa força da união de todos na luta contra a manutenção dos privilégios da sociedade arcaica. Em pleno século XXI, num processo de construção de uma sociedade democrática, não cabe excluir ninguém, mas “acolher e celebrar a diversidade”.

Mostrar a cara dessas famílias na sua simplicidade e diversidade, na sua naturalidade, faz-me acreditar que estamos construindo juntos as referências que nos faltaram quando éramos crianças – e que, com mais motivos, devem ter faltado também às gerações que antecederam a nossa. Acredito na arte como experiência e no processo criativo como aprendizado de vida. Sou grata a este trabalho por tudo que ele transformou – e transforma – na minha vida.

Dalia e Eva

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+ TATÁ, GEFFINHO, THAMARA e DAISA

Quando resolvemos ficar juntas, nunca tivemos oposição da família nem de amigos. Aqui no bairro todos nos conhecem e sabem que somos gays, na escola, no trabalho, nossa vida é bem tranquila. O único preconceito que a gente sofreu, por incrível que pareça, foi quando fomos dar entrada no pedido de casamento, em 2013. Ali, sim, houve preconceito, o juiz negou nosso pedido, tivemos que entrar com recurso, um mandato de segurança. O processo levou um ano até conseguirmos autorização para casar, sendo que já estávamos juntas há 18 anos.

O preconceito que eu sofri a minha vida inteira foi o de cor. Esse chega primeiro, porque a cor aparece antes da orientação sexual.

Nossa primeira filha chegou com cinco anos. Um tempo depois, chegou a segunda, com 12. Agora estão chegando mais dois, nossos sobrinhos que ficaram órfãos de mãe, e a família que antes era só de duas pessoas, hoje está com seis.

Nós nos casamos no civil e na igreja no mesmo ato. Somos católicas, nossas filhas fizeram a primeira comunhão este ano, mas resolvemos casar numa igreja evangélica, a Igreja Cristã Contemporânea, dos pastores Marcos Gladstone e Fábio Inácio, que também são casados, têm dois meninos e são bem engajados. Fomos informadas de que o nosso foi o primeiro casamento gay no civil e no religioso ao mesmo tempo.

Os direitos das famílias homoafetivas estão caminhando muito devagar, mas estão caminhando. Hoje é possível casar, adotar em conjunto, colocar sua mulher ou marido no plano de saúde, na previdência privada, fazer uma conta corrente conjunta, um seguro de vida. É claro que a lei ainda tem muito que melhorar, mas com a bancada que a gente tem lá… Eu não chamo de bancada evangélica, chamo de bancada retardada. Com aquela bancada, não vamos avançar, e na última eleição, para meu desespero, eles aumentaram. O Legislativo está quase virando um Estado islâmico com esse pessoal de cabecinha fechada, mas como nós somos uma realidade, eles estão com problemas!

O maior medo deles não são os casamentos, são as adoções. Eles se incomodam é com as crianças dos lares gays, porque elas vão se tornar adultos que sabem respeitar o diferente, o direito de todos numa sociedade; o padrão de comportamento vai começar a mudar. Minhas filhas defendem tranquilamente as famílias gays, não só porque elas são parte de uma, como também porque conhecem outras famílias. A Thamara passou por uma situação na escola recentemente: a professora ia explicar sobre reprodução humana e teve a infelicidade de falar das famílias homoafetivas. Como ela me acompanha em palestras, conhece o assunto, falou: “Professora, realmente, duas mulheres, dois homens não podem ter filhos, mas eles merecem respeito. As minhas mães merecem respeito. Respeite a minha família e as das amigas das minhas mães. Eles não podem gerar, mas podem inseminar e podem adotar”. A turma inteira aplaudiu a garota, quer dizer, eles estão aprendendo.

Dalia Tayguara (advogada) e Eva Andrade (auxiliar de produção), juntas desde 1995.

Alex e Zal

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Tenho uma teoria de que os gêneros vão acabar. Tem que acabar, não funciona, é isso que cria atrito, não dá para ser assim. Não dá para classificar as pessoas pelo sexo ou pelo tipo de desejo sexual porque ninguém é igual ao outro, em cada um isso é diferente. Como disse Drummond, todo ser humano é um estranho ímpar. E é verdade! Dentro do universo LGBT, cada vez mais colocam uma letrinha na sigla. Se formos separar todos os tipos, vai chegar uma hora em que vamos ter a quantidade de classes correspondente à quantidade de pessoas.

Eu busco me preservar, não levanto bandeira. Poucos sabem que sou casado com ele há tanto tempo. Quando a gente encontra alguém na rua, eu o apresento como Alexander, não ponho adjetivos, acho todos muito confusos.

“Companheiro” parece coisa de partido político. “Namorado”, já passamos dessa fase; “marido” a gente ainda não é, apesar de viver uma relação marital. Eu nunca sei exatamente o que falar, então o apresento só pelo nome também: “Este é o Zal”, para bom entendedor um pingo é “i”.

Temos planos de casar legalmente, sim. Quando a gente começou, ainda não existia essa possibilidade, nem vislumbrávamos isso. Hoje em dia existe, é certo fazer, é uma garantia que temos. Se não garantimos nossos direitos legalmente, somos atropelados. A gente sabe de diversas histórias de casamentos que não eram oficiais e, quando um morreu, o outro foi completamente hostilizado pela família, pelos interesses econômicos.

Preservar nosso lar também é uma maneira da gente se resguardar. A casa é um lugar bastante sagrado. Não é qualquer pessoa que vem aqui. Não que a gente vá fechar a casa, ficar encastelado, mas buscamos preservar um pouco essa energia. A gente trabalha muito, dez, doze horas por dia, então chegar em casa é ter tranquilidade, é tomar uma taça de vinho e relaxar, curtir o sossego do lar.

Logo no começo do namoro nós fomos agredidos em Ipanema. Era uma hora da manhã, a gente estava voltando para casa e viu uma galera do outro lado da rua. Uns três ou quatro atravessaram, um deles já chegou dando uma pezada no meu ombro. O outro deu um “telefone” no ouvido dele. Nós gritamos e um segurança e um porteiro vieram ajudar, acharam que era assalto ou coisa assim. Aí eles foram embora. Foi punk! Felizmente, essa foi a única vez.

Logo depois eu me mudei de Ipanema porque as coisas estavam bem esquisitas. Existe uma fronteira ali, não é uma região tão friendly quanto pensam.

Fora esse episódio infeliz, socialmente, nós somos muito bem aceitos em todos os lugares, mas acho que isso também tem a ver com o fato de sermos bem-sucedidos. Se você não é bem-sucedido profissionalmente, financeiramente, sofre mais constrangimento, sofre mais preconceito. Isso é um fato, mas não devia ser assim. Falta saúde, educação… Mas falta respeito pela cidadania. São direitos de todo mundo, todos têm direito à liberdade, à igualdade – artigo 5º da Constituição.

Alexander Sirotheau (arquiteto) e Zalboeno Lins (jornalista), juntos desde 2003.

Beto e Cláudio

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Nunca houve, da nossa parte, essa visão de que somos um casal homoafetivo. É tão normal gostar, amar, é tão natural que não cabe tachar. Não é um “amor homoafetivo”, é “amor”. Não desmerecendo a importância de se falar sobre este assunto, a gente acha que vivendo e demonstrando nosso relacionamento, automaticamente estamos contribuindo para que a coisa seja encarada de forma natural.

Nossas famílias também assimilaram isso muito bem. A princípio era só com respeito, “O mundo é deles, vamos respeitar”. Hoje já são mais participativos, já estão entrando no nosso mundo.

A rede social é, sem dúvida, um grande facilitador. Ali a gente se apresenta sempre juntos, na maioria das coisas que a gente faz, em eventos, e o pessoal comenta “Ah, adoro o casal”, “Amo esse casal”. Quer dizer, já está oficializado ali também. Eu até fico admirado quando estou em algum evento e tantas pessoas diferentes vêm falar com a gente, pessoas que nos enxergam e nos aceitam como casal, mesmo. E isso acontece de uma forma normal, tranquila, sem que a gente tenha que chegar e falar “somos isso”, “somos aquilo”.

Sou muito grato por vivermos nesta época. Tenho mais de 50 anos, e quando era adolescente, eu via como os gays adultos viviam, era mais sofrido, muito pouco à vontade, porque naquela época as pessoas eram muito mais intolerantes. Hoje, a coisa está sempre em discussão. Há muito que trilhar ainda, muito a conquistar, mas só o fato de estar aí em ebulição já é formidável. “Ah, eu não aceito!”. Ótimo, agora pelo menos a gente sabe quem são os que não aceitam, quem são os intolerantes e os que toleram, está todo mundo se expondo, mostrando o que pensa. Isso é muito positivo, sabemos dos prós e dos contras. Hoje, o homossexual está conseguindo conquistar mais o seu espaço. Acho essa época muito boa, e a tendência é melhorar.

Eu tenho dois irmãos mais velhos que também são gays. Quando eu e o Beto resolvemos morar juntos, eles já tinham seus namorados, mas era uma coisa muito velada, que eles segredavam. Depois que o meu relacionamento começou a fluir mais abertamente, houve um encorajamento recíproco, a gente começou a ter mais interação, a família toda passou a ter mais convivência. Todos ficaram mais leves… Acho que quando as pessoas se assumem, tudo fica mais fácil.

É o que falei, somos tão bem resolvidos socialmente que as pessoas percebem e pensam “Nossa, por que não ser assim? Por que eu sou o contrário?” Vamos continuar vivendo bem na nossa relação e vamos ver o que vai rolar, o que vai dar. Quem se inspirar, achar incrível, ótimo! Até um casal heterossexual, mesmo. Temos um amigo hetero que fala “Eu já casei cinco vezes e vocês continuam casados. Qual é o segredo?”. A gente acha graça, mas a verdade é que não tem segredo nenhum.

Beto Silva (comerciário) e Cláudio Cadeco Pinto (professor), juntos desde 1994.

Moisés e Hugo

25_Moisés e Hugo

 

 

Aos 19 anos eu tive meu primeiro contato com um homem, um cara mais velho, na época ele devia ter mais ou menos uns 35 anos. Tive sorte de ter tido esse encontro, me despertou, comecei a entender o que eu era. Foi uma pessoa muito positiva, muito do bem, já bem resolvido; ele conversou muito comigo e me passou um pouco a sua experiência: “Você vai passar por várias etapas, os seus medos, os medos da sua família, o medo dos amigos e o preconceito”. Medo do que é, do que você é, e medo de ser rejeitado… Uma coisa é você aprender a viver só por um tempo, estar só e não depender de viver ao lado de ninguém. Outra coisa é ser rejeitado, é você não ter nada.

Tenho histórias de amigos que foram vitimados, perdi amigos no Recife assassinados pelo fato de serem gays. Tive um namorado que os próprios pais tentaram matar na calada da noite porque descobriram que ele era gay, um jovem de 16 anos! Essas histórias de violência, a gente escuta e vivencia muitas. Acho que dei sorte, pois só encontrei pessoas do bem na minha vida, que mostraram que estamos aqui para viver igualmente, no mesmo espaço, sem manchas, sem diferenças, isso é que é o importante, e eu consegui viver assim até agora.

Já eu comecei a viver minha homossexualidade depois que cheguei ao Rio. Eu experimentei um pouco aquela sensação do anonimato, aquela cidade tão grande, com tantas pessoas tão diferentes entre si, eu me senti “mais um”. Era bom, queria fazer coisas que nunca tinha feito – não que antes eu sentisse necessidade de fazer, até porque as minhas relações com namoradas em Macaé sempre foram muito verdadeiras, mas quando vim para o Rio descobri um novo mundo. Foi quando tive a oportunidade de vivenciar ambientes como boates, festas, bares, tudo voltado para o público LGBT. E aquilo me despertou tanto calor, interesse, motivação…

Na primeira vez que fui a uma boate gay, estava tão desesperado para saber como seria, o que ia encontrar, que na tarde do dia anterior vi todos os possíveis itinerários de ônibus e fui lá, depois fiz o trajeto inverso para casa. Eu tinha tudo na cabeça e anotado num papel, e quando chegou a noite, em frente à boate, já vi homens se beijando, o coração disparou. Eu tinha medo de estar ali, mas esse medo, em contrapartida, era excitante. Não virei rato de boate nem nada, mas acho que foi o primeiro momento que me permitiu realmente ir mais fundo naquilo que eu gostaria de experimentar. Descobri que, na verdade, esse desejo já vinha aflorando aos poucos, sem que eu tivesse percebido antes.

Quando eu realmente vi que era gay, não tive mais nada com mulher, as meninas não me despertavam mais interesse, eu só tinha prazer com outro homem. Mas sempre fui muito autossuficiente, calado, reservado. Meus namoros não duravam muito tempo. Depois que eu encontrei o Hugo, um mundo se abriu à minha frente, um mundo de entrega, amor e confiança.

Moisés Pires (dentista) e Hugo Pinheiro (servidor público), juntos desde 2004.