Marah e Samantha

17_Marah e Samanta

 

Eu enfrentei algumas dificuldades no ambiente familiar. Aconteceu há bastante tempo, eu tinha 17 anos, hoje tenho 36. Imagina isso há décadas, a discussão ainda era muito embrionária. Minha mãe achou uma cartinha da namorada que era uma suposta amiga e pirou, enlouqueceu. Ainda havia aquela relação de dependência, eu morava com meus pais. Ela ficou uns três meses no luto, desesperada. Mas tive o apoio da minha família, uma tia que era lésbica também ajudou muito. Consegui assim, no diálogo, na conversa, porque minha mãe era muito liberal para lidar com outras pessoas, com o vizinho que era gay, a irmã dela, com eles não havia nenhum problema, mas quando ela descobriu que a própria filha era lésbica, ficou desesperada.

Já eu nunca tive dificuldade alguma porque, na fase da minha vida em que me assumi gay, já estava muito bem resolvida, não devia satisfação a ninguém, já era livre. Eu tinha 29 anos e estava tão feliz com aquilo que pouco me importava com o que as pessoas iriam falar. Minha felicidade estava acima de qualquer coisa. Contei para a família inteira e todo mundo achou aquilo legal, divertido, louco. Nunca precisei esconder, apenas dei a notícia para cada pessoa em seu momento, porque entendo que há um desafio a vencer. E entendo a importância de ocupar nosso lugar, nosso espaço nesta sociedade que é ainda tão preconceituosa. É uma luta, mas é uma vitória também. Só de eu poder andar com ela de mãos dadas na rua já é uma vitória, mesmo sabendo que de repente pode aparecer alguém para nos insultar.

Parte desses conflitos existe porque essas famílias, como a mãe da Samantha e outras mães de amigas que acompanhei, não tiveram uma educação sexual. Os pais deles não disseram “Olha, você pode casar com um homem ou, se quiser, também pode casar com uma mulher, ou…”. Não, eles não foram preparados para isso. Em uma cultura muito católica, boa parte das famílias foi educada num regime que diz que a mulher é para servir o homem. Muitas pessoas sofrem com suas mães e pais por questão de aceitação, mas a culpa não é deles. Eles apenas não foram orientados. Na cabeça deles, o que está certo é o que foi dito na igreja, na escola, dentro de casa. Eu penso que esse tipo de sofrimento vai se diluir com o tempo. Já tem uma nova geração de pais que orientam seus filhos de forma diferente, já existem novas famílias surgindo, está cada vez mais claro este resgate em ser e assumir aquilo que você é. Este sofrimento tem data para acabar, é um processo que está acelerado.

Tem coisas que passam como sendo utopia. Utopia não é uma forma de se iludir, mas sim “o que há a se conquistar”. Há muitos anos, quando a gente falava de a família entender, compreender, as pessoas diziam “Mas isso é utopia, você está sonhando com algo que não vai existir”. E olha aí a utopia virando realidade. O utópico é o que eu sonho e posso tornar realidade. É o que nos põe em movimento.

Marah Silva (estilista) e Samanta Guedes (assistente social), juntas desde 2010.

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