+ PEDRO AUGUSTO
Desde o início da nossa relação, a Cláudia deixou claro que queria muito ter um filho. E, quando chegou a hora de levar o assunto mais a sério, começamos a planejar: ter uma casa mais adequada, com espaço para a criança brincar, fazer uma poupança, registrar o pacto de união estável (na época ainda não era legalmente reconhecido como núcleo familiar, mas mesmo assim fizemos questão de fazer).
Quando decidimos entrar com o processo de habilitação para adoção, foi muito difícil, simplesmente não andava; demorou um ano para conseguirmos dar entrada, mesmo com ajuda de uma advogada. Quando finalmente começou a andar, foi muito burocrático. Tínhamos que apresentar documentos sem fim, de comprovantes de emprego e união duradoura a atestados de saúde física e mental. Mas, como já tínhamos tudo planejado, conseguimos levantar a papelada sem dificuldades. Para os padrões brasileiros, até que o processo se desenrolou rápido: ao final de dois anos e meio, o Pedro Augusto chegou.
Nós o encontramos com 20 dias de vida, dormindo no berçário da vara de infância. Ele tinha um sinal bem no meio da testa (hoje já desapareceu), brincamos que ele veio com o sinal para que pudéssemos encontrá-lo. E essa acabou virando a sua história de origem; quando ele nos perguntou pela primeira vez de que barriga ele nasceu, contamos que, como não podíamos ter filhos da nossa própria barriga, ele achou uma forma de vir e nos avisar: arranjou uma barriga emprestada e veio com um sinal para que pudéssemos reconhecê-lo. Ele veio logo para casa, mas ainda precisamos de mais dois anos para concluir o processo de adoção e para conseguir a certidão de nascimento com nossos nomes. Só então relaxamos, porque a situação da guarda provisória é muito angustiante. Imagina essa criança que você já ama, para quem você e sua família são a única referência, mas ainda há o risco de alguém chegar e tirá-la de você… Só quando saiu a guarda definitiva foi que ficamos em paz.
Nunca tivemos dificuldade de assumir nossa relação publicamente. Em primeiro lugar porque nos conhecemos numa idade mais madura, em que se esconder já não fazia mais sentido. Depois porque, quando você tem filho, isso se torna ainda mais necessário. Você tem que ter segurança e tem que passar essa segurança para ele. Talvez algum dia ele também venha a sofrer algum preconceito. Como você vai poder ensinar valores para o seu filho se você vive uma vida falsa? Então, isso era uma condição sine qua non para nós.
No ambiente profissional, acho que tivemos sorte de trabalhar em multinacionais, que estão muito à frente das empresas brasileiras em relação a proteção e benefícios no campo da diversidade. A empresa da Cláudia foi pioneira na implantação desse tipo de programa no Brasil. Quando o Pedro Augusto chegou, já no dia seguinte conseguimos a licença maternidade e ele foi cadastrado para ter os benefícios antes mesmo de sair a guarda definitiva.
Cláudia Nunes (analista de sistemas) e Virgínia Almeida (psicóloga), juntas desde 2003.