+ ANNA CLÁUDIA, JULIANA, LUIZ FERNANDO E MARIA VITÓRIA
Sempre que conversávamos sobre nossos futuros filhos, não tínhamos qualquer dúvida: o caminho seria a adoção. Nós combinamos de atender às duas vontades: ele queria um menino, eu queria uma menina. Só que, quando começamos a participar dos grupos de adoção, percebemos o quanto essa questão do perfil é complicada. Em determinado momento do processo de habilitação, deve-se optar: quantas crianças, qual etnia, se aceita com doenças transmissíveis, com que idade etc. Nosso perfil era mais racional, a princípio eram duas crianças de até sete anos, mas depois começamos a questionar “Duas? Por que não três? Sete anos? Por que não oito ou nove? Que diferença faz?” E aí surgiu o momento de conhecê-los. Eram quatro crianças num abrigo em Marechal Hermes, estavam lá há seis meses. Nosso processo foi um pouco mais fácil por causa disso: são quatro irmãos com idades diferentes. Essas adoções são mais difíceis de acontecer.
Hoje o Cadastro Nacional de Adoção possui quase 30 mil pessoas aptas a adotar em todo o Brasil. Elas já passaram pelo processo de habilitação, é como uma carteirinha que diz “eu posso adotar”. E há seis mil crianças em abrigos aptas à adoção, ou seja, todo o processo de desvinculação, seja pela morte dos pais, seja pela perda do pátrio poder, já foi concluído. Seis mil crianças habilitadas, mais 40 mil em abrigos, em processo de habilitação. Só que os perfis não batem, porque mais ou menos 70% das pessoas aptas a adotar querem uma criança de até três anos, branca e preferencialmente do sexo feminino. E não é essa a realidade do nosso país. Nos abrigos, a maior parte das crianças é negra ou parda, um pouco mais velha, muitas vezes meninos e com algum tipo de doença (principalmente HIV) ou alguma deficiência física.
É notória a mudança do paradigma do perfil na adoção homoafetiva. Ainda não temos estatísticas formalizadas sobre o perfil das crianças adotadas por casais gays brasileiros, mas sabemos que é sempre um pouco mais amplo: são crianças mais velhas, negras, com algum problema de saúde… Talvez porque muitos de nós já passaram por sofrimentos assim, aprendemos a lidar com o preconceito na própria pele, então é muito mais fácil olharmos para uma criança “diferente” e enxergá-la normalmente. Há uma identificação muito maior com essa criança do que, talvez, se fosse um casal heterossexual, que não veria nela seu retrato. Isso acontece muito.
Em certas comarcas, um casal gay encontra inúmeras dificuldades para adotar, mesmo com toda a jurisprudência já bem clara quanto a isso. Não queremos nada além do que já está estabelecido como direito para a sociedade como um todo, só queremos os mesmos direitos. É fundamental mostrar para a sociedade que nossa família é comum, nossos filhos são comuns. O comum é muito mais lindo quando desaparece. O amor é comum, o afeto é comum. Essa é a maior prova que podemos contrapor a todo e qualquer preconceito.
Weykman Padinho (contador) e Rogério Koscheck (auditor fiscal), juntos desde 2007.