A gente sempre quis casar, mas vinha adiando, adiando, até que o Robson enfartou. Nós morávamos no Piauí. Aí pensei “Se ele está na UTI, esse casamento vai ter que ser agora, porque na hora que ele entrar para a cirurgia, quem garante que ele vá sair?” Então fomos eu, dois grandes amigos nossos, ambos heterossexuais, a um cartório de Teresina. Eu disse que queria uma união homoafetiva, mas tive que explicar várias vezes porque uma das donas não conseguia entender… Falou que nunca haviam feito aquilo antes. Enfim, acabamos casando na UTI mesmo, que é um lugar onde só entra uma pessoa por vez, mas exigi que o amor subvertesse a regra: “Vai entrar todo mundo!”. Daí veio o padrinho, uma amiga, a tabeliã, vieram as testemunhas, as flores… O hospital inteiro sabia, foi uma festa! As fotos são muito engraçadas, a única pessoa que não está de máscara é o Robson.
Eu me assumi com 15 anos para uma família extremamente conservadora, foi bem complicado. Eles sempre tiveram dificuldades com isso. Saí de casa com 18 anos. Num determinado momento a coisa aqui no Brasil ficou muito feia e, em 1972, me exilei, até por causa de um episódio em que fui preso e espancado. Sim, foi por causa da minha orientação sexual: estava beijando meu namorado em público. Sempre me lembro de um mote muito caro às feministas dos anos 70: “O político é pessoal, o pessoal é político”.
Quando minha irmã se deu conta de que nosso namoro era sério, disse que era inaceitável e passamos dez anos sem nos falar. Mas, tantas voltas o mundo dá, hoje somos novamente grandes amigos, como fomos durante a infância. Ela teve uma filha cega e aprendeu na pele o que é preconceito; houve um pedido de desculpas muito emocionante. Enquanto isso, eu tive a família do Robson, que sempre me acolheu, me aceitou, sempre foi muito carinhosa comigo – tudo o que a minha família não me deu.
Muita gente traz resquícios de ódio contra si mesmo, de um autodesprezo por não corresponder a certas expectativas sociais, familiares, e se sente miserável por isso. Sente-se infeliz e pensa coisas do tipo “Será que eu seria mais feliz se gostasse de mulher? Se tivesse uma renca de filhos?”. Isso é uma falácia, uma besteira, mas estamos formatados nesse modelo de identidade. Você é educado para ser uma coisa num momento em que está descobrindo que é outra. Não é fácil aceitar aquilo que realmente somos. Criamos uma autodecepção em relação a isso que a gente tem que superar, tem que lutar e seguir em frente. Se aceitar, mesmo, porque a autoaceitação é fundamental para a própria aceitação social.
Uma coisa importante também é aquela máxima Oswaldiana, “A alegria é a prova dos nove”. Eu cheguei num ponto em que prefiro rir a gozar. Quando eu digo rir, é aquela gargalhada que dói o estômago, que você cai no chão, que rolam lágrimas… A gente ainda consegue fazer isso pelo menos uma vez por dia. Rimos muito de nós mesmos, dos outros, do mundo. Amor é humor.
Robson Cruz (antropólogo e psicanalista) e Steve Berg (tradutor e cineasta), juntos desde 2002.