+ OLÍVIA E HELENA
Eu tive muito problema para me assumir gay, demorei bastante. Eu era muito preconceituosa. Achava que estava errada, no ambiente errado, mas não sabia o que era. Eu tentava me relacionar com homens, mas nunca estava feliz. Achava que o problema era das pessoas, das relações, que eu não conseguia me expressar direito. Aí, quando consegui me aceitar como homossexual, já com mais de 20 anos, as coisas começaram a fluir e eu entendi tudo.
Na família havia casos de pessoas mais velhas que eram gays e eu cresci ouvindo “Ah, coitado, ele deve sofrer muito”. Havia essa ideia de que o gay sofria muito por causa do preconceito, por ter que viver escondido etc. Hoje eu digo: sim, sofre muito quem não sai do armário porque, depois que a gente consegue viver isso com tranquilidade, acaba o sofrimento.
Sei que o bloqueio era meu, mesmo, pois meus pais nunca tiveram problema com isso e me acolheram superbem. O que ajudou foi eu ter me mudado de cidade, de estado, eu me tolhia muito enquanto estava no meu ambiente de origem. Quando saí daqui para estudar num lugar onde não conhecia ninguém, vivi aquela sensação de poder me transformar em quem eu quisesse ser. Depois de cinco anos, voltei para Niterói e comecei a fazer amizades com pessoas como eu. Inclusive minha mãe teve um papel primordial nessa história: foi ela que me apresentou à filha de uma amiga dela, que eu comecei a namorar e que, por sua vez, me apresentou a um monte de gente com quem fiz amizade e, assim, acabei conseguindo me inserir socialmente.
Já no meu caso, eu sempre soube que era gay. Vivi minha adolescência em Niterói sem nenhum senso de pertencimento a nenhum grupo. Foi tenebroso, eu vivia muito sozinha o tempo todo. Comecei a me envolver com música, teatro, gostava de ler e queria ampliar minha visão de mundo. Quando eu tinha 17, 18 anos, estava fazendo pré-vestibular e me mudei para o Rio com a minha irmã. Foi no curso de teatro que comecei a viver minha vida gay. Uma menina me falou assim: “Cara, eu fico com quem eu quero, eu não sou gay, não sou hetero, fico com quem estou a fim. Vambora, faz o que você quiser!”. Foi um ano intenso e de muita libertação.
Acho que nós nascemos para ser uma família. Depois que nos conhecemos, no início de 2013, a vida começou a fluir melhor. Tudo aconteceu muito rápido e sem nenhum tipo de complicação: nos estudos, no trabalho, na mudança de casa, no processo de ter filhos. As meninas, Olívia e Helena, nasceram exatamente um ano depois da nossa primeira consulta para fazer o tratamento de fertilização. Às vezes eu vejo alguns casais comentando sobre a mudança de vida depois que têm filhos, do tipo “ah, mas eu não posso mais fazer isso, não posso mais fazer aquilo…”. Eu não tenho saudade nenhuma de não poder fazer nada. A gente sabe que vai ter que se privar de um monte de coisas, mas a gente quis muito viver isso, foi o que planejamos para nossa vida.
Roberta Santiago (jornalista) e Juliana Guimarães (zootecnista), juntas desde 2013.