+ ANDRÉ HENRIQUE E ANNA LAURA
Eu me dei conta de que era gay aos 21 anos. Fiz 50 agora. Nunca militei. O máximo que fiz foi brigar por direitos iguais no trabalho. Trabalhei muitos anos numa companhia aérea. Nessa época eu era casada com uma mulher que começou a trabalhar lá também. A empresa permitia que funcionários casados tivessem direito às mesmas escalas, mas não os casais homossexuais. No início, até conseguíamos conversar com o setor de escalas para nos dar escalas casadas na base da camaradagem. Depois, devido ao meu envolvimento na liderança de um grupo de funcionários em reivindicações, a chefia mandou separar nossas escalas. Fizeram, de propósito, uma escala totalmente oposta. Ficamos 60 dias sem nos ver; quando eu estava num lado do planeta, ela era mandada para o outro. O desfecho da história foi que eu entrei na luta junto com um grupo e criamos um problema tão grande na empresa que acabamos conseguindo mudar o regulamento e obter o mesmo direito.
Agora, com o famigerado Estatuto da Família, entrei na militância para valer: faço parte do grupo fundador da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (ABRAFH). Se há quem pense que todo esse projeto de poder só vai mexer com o pessoal LGBTI, saiba que não. Isso é um projeto que pode mais tarde virar uma coisa parecida com a Alemanha da década de 30, e quando nos dermos conta, não haverá mais o que fazer. Olha o que o fundamentalismo está fazendo! Isso é ruim em qualquer religião. Religião é amor, não é discurso de ódio. Religião é dentro do templo, do terreiro, da igreja, é uma escolha. Orientação sexual não é escolha. Pecado é uma coisa da religião, lei é uma coisa do Estado, da constituição, e é para todos.
As pessoas reclamam muito. Nas redes sociais, por exemplo, elas gostam de falar “Isso está errado!”, “Isso tem que ser feito!”. Mas só é feito se alguém fizer. E, para alguém fazer, as pessoas têm que trabalhar juntas para ter uma força coletiva. Em geral as pessoas têm medo. Quando há alguém ali na frente botando a cara a tapa, muitos só sabem criticar. Certa vez, em um seminário, eu disse: “Gente, não se escondam! Se vocês têm esse direito, por que fazem isso?”. Aí alguém na plateia falou: “Ah, para você é fácil, pois você é branca, teve acesso à educação e tem uma família de loiros”. Então, a Viviane Mosé, filósofa, que nem é gay, pediu o microfone e deixou um recado claro: “Vocês estão discutindo quem é mais ou menos privilegiado? Somos todos desprivilegiados aqui. O pessoal lá fora que está nos criticando está muito bem organizado! Vocês vão querer criar racha aqui dentro?” O tema do seminário era “Mais amor, por favor”, e as pessoas queriam discutir quem é cis, quem é trans, quem é pobre…
Nós queremos parar de dividir quem é hetero, quem é homo, quem é branco, quem é preto… Não que a gente não reconheça a pluralidade (viva a diferença!); somos todos diferentes, olha que bacana! E é por isso que ninguém é melhor que ninguém.
Letícia Flohr (engenheira ambiental) e Ana Lodi (empresária), juntas desde 2014.