Quando a gente se conheceu, já na segunda vez que saímos, fomos tomar um vinho no Empório Santa Fé e fomos muito maltratadas. Estávamos naquele início de namoro, trocando carinho, e o casal da mesa ao lado se sentiu incomodado, ou agredido, e falou com o maitre. Daí a pouco ele veio até a mesa e disse “Vocês podem se conter? Podem aprender a se controlar?”, entre outras coisas… Nossa, foi o maior baixo astral! Eu fiquei com vontade de morrer, mas a Flavia reagiu: “O senhor sabe que isso é crime, não sabe?”. Acabou nossa noite, pagamos a conta e fomos embora. Para piorar a situação, na hora que estávamos saindo, o dono veio todo grosseiro dizendo “Isso aqui é um lugar de família” e mais não sei o quê, até a mulher dele veio meio que aparando… Eu não me contive e falei para ela “Deve ser muito difícil ser casada com um senhor desses!”. Ele ficou muito puto e parecia que ia bater na gente. Nós saímos. Isso foi numa sexta-feira; passamos mais dois dias com aquela sensação ruim e, então, concordamos que era preciso fazer algo.
Na época, ainda funcionava a 9ª DP ali no Catete. Fomos lá fazer um registro de ocorrência. Eu já cheguei ao balcão falando para o policial “Quero fazer uma denúncia porque fomos vítimas de homofobia”. Aí o cara ficou todo perturbado, “Não sei o que fazer, não posso fazer nada”. Nós insistimos: “Quer dizer que viemos aqui para registrar uma ocorrência e não seremos atendidas?”. O cara teve que engolir em seco e falou com um tal inspetor Fernando, que foi quem resolveu, que chegou e falou “Vamos tentar resolver essa coisa, mas vocês vão ter que fazer uma acareação.” Foi uma cena! A gente teve que voltar ao restaurante dentro da viatura da polícia, de sirene ligada, na contramão. O carro parou na porta, foi horrível. Entramos e identificamos o maitre, “Foi ele!”. O dono não estava ou se escondeu, e a gente acabou levando o maitre para a delegacia. O cara só pôde pegar os documentos e entrar na viatura. Aí eles acionaram o advogado deles (que era o filho do dono), ele chegou lá gritando “Não fala nada! Não aconteceu nada!”, e a gente assistindo àquela cena. O inspetor Fernando colocou ordem: “Você cala a boca! Ponha-se daqui para fora! As meninas chegaram aqui no maior respeito. Você está pensando que isso aqui é o quê? Isso aqui é uma delegacia!” Foi uma baixaria completa…
E então fizemos o registro de ocorrência. Aliás, foi a primeira vez que vimos nossos nomes escritos como namoradas… Num registro de ocorrência! Se estivéssemos nos estapeando, provavelmente estariam rindo, não fariam nada, com certeza pensariam “É briga de mulher, devem estar brigando por causa de homem, depois se ajeitam”. Nossa relação já começou assim, com a gente sendo empurrada para batalhar pelo direito de existir como pessoas que trocam afeto em público.
Claudia Holanda (artista, jornalista, pesquisadora em som e música) e Flavia Meireles (artista, professora e pesquisadora em dança), juntas desde 2011.