Antes mesmo de registrar a união estável, já era estabelecido que a gente era um casal. A gente não namorou, nós nos casamos. Nos conhecemos no carnaval e ficamos juntas três dias; no quarto dia, quando ela ia embora, eu falei “Você quer casar comigo?”. Foi assim, de supetão. Eu não sabia se iria me arrepender depois, não sabia se ela iria aceitar, enfim… Ela me olhou e disse “Eu quero. Também não sei se vou me arrepender daqui a 15 dias, daqui a um mês, daqui a um ano…” E lá se vão 20 anos. Uma amiga que nos encontrou nesse dia, por acaso, jogando sinuca num bar, falou “Nossa, para uma quarta-feira de cinzas vocês estão com cara de terça-feira gorda!” E foi muito legal. A gente se casou e, logo, também nossas famílias se casaram. Todos os pais e irmãos, os meus e os dela, se dão muito bem. Desde pequenos, nossos sobrinhos e, mais recentemente, os sobrinhos-netos, frequentam nossa casa e convivem normalmente com o fato da tia Tá e tia Dri serem casadas.
Também entre os vizinhos, ou no trabalho, nunca nos faltaram aceitação nem acolhimento. Quando eu trabalhei numa escola estadual aqui no bairro, tive uma diretora que sonhava em conhecer minha casa. Isso ela só me confessou algum tempo depois que a convidei para um almoço. E ela disse “Adorei conhecer sua casa. Eu não imaginava que duas mulheres que vivem juntas tivessem uma casa tão bonitinha assim, com liquidificador, batedeira, tudo arrumadinho. Eu não fazia ideia que fosse uma casa tão normal”. As pessoas que nunca conviveram com isso fantasiam muito a respeito e acabam criando alguns fantasmas.
Eu acho que a família é a coisa mais importante que a gente tem. E quando são cultivados esses valores fundamentais, como o respeito, a amizade, o companheirismo, a cumplicidade de qualquer forma, de pai com filho, de irmão com irmão, de mulher com marido, de mulher com mulher, de professor com aluno, enfim, em relações diversas, quando há respeito, quando isso atravessa toda a sua existência, acho que tudo flui melhor.
Acima de tudo, antes de ser um casal de mulheres ou um casal de homens, é um casal. Nós somos um casal de pessoas que se amam, independente do sexo, e que deu certo em sua relação. Nós aprendemos a nos amar com o tempo. Aprendemos a nos amar de verdade. Eu acho que os valores passados pelas nossas famílias foram essenciais nesse nosso caminhar. O mais importante é você ter respeito pelas pessoas, ter amor. Uma vez eu perguntei para o meu pai, que é a pessoa que mais importa para mim, se ele gostaria que eu fosse casada com um cara. Ele me disse “Eu te amo e quero sua felicidade”. Então, o mais importante é isto: se houver respeito e amizade, em qualquer tipo de relação, tudo flui normalmente.
Adriana Cardoso (professora) e Taciana Tavares (advogada), juntas desde 1996.